O verdadeiro papel do comprador estratégico

A área de compras há muitas décadas trazia uma visão engessada de seus processos. Quem nunca ouviu falar do famoso mapa das três cotações? Em que a cotação com o melhor custo era a vencedora? Ou mesmo de algum formulário, que circulava dias até ser concluído, demandando assinaturas físicas?

Atualmente, com a modernização tecnológica, temos recursos a nosso favor, que auxiliam em atividades operacionais e manuais. Mesmo que saibamos que ainda há um longo caminho a percorrer em boa parte das empresas, o comprador estratégico atua como peça fundamental nas negociações. Para acompanhar as tendências evolutivas, estes profissionais costumam se manter atualizados, utilizando fontes de dados a seu favor e alinhados aos princípios básicos do Strategic Sourcing. As etapas do modelo contribuem na avaliação de quais as melhores abordagens para cada tipo de contratação.

Existem empresas em que a área de compras é amplamente segmentada e organizada por categorias, o que permite uma configuração mais amadurecida e estruturada dos processos. Entretanto, sabemos que esta não é a realidade de todas as empresas e que também existem departamentos enxutos, em que o time acaba sendo designado a um alto volume de demandas, nem sempre conseguindo estudar profundamente as categorias na qual atua.

Independente de qual modelo o comprador esteja inserido, vale relembrar a importância da construção de estratégias para analisar o tipo de demanda e quais desdobramentos ela o exigirá. Esta construção pode ser realizada por meio de ferramentas e processos. Mesmo que a empresa não disponha de tais recursos mais modernizados, certas metodologias como a Matriz de Kraljic ou análise SWOT, dentre outras que julgar adequada, podem contribuir com esta classificação. Em se tratando de demandas de maior valor agregado, o fator custo passa a ter uma relevância que exige uma combinação inteligente de fatores para sua análise, do que simplesmente considerar a comparação entre cotações, sendo o menor valor a melhor alternativa. É importante agregar neste tipo de contratação o TCO, ROI e/ou Payback, que podem dar uma visão ampla do cenário em questão. Não existe alternativa correta, existe a melhor alternativa de contratação que se adeque ao momento da companhia. Cabe ao comprador apresentar estes cenários e levar a sua recomendação.

Orquestrar um processo de contratação, é estabelecer um conjunto de checagens, e dentre elas, considerar especialmente as necessidades técnicas, por isso a importância de o comprador manter um canal aberto e fluido com seus stakeholders. O pleito de garantias e proteções ao acordo que está sendo firmado é um recurso fundamental para tornar a negociação sustentável, escalável e aderente.

É comum em meio a tantas tarefas, responsabilidades e necessidades, ouvir expressões de efeito, tais como “coisa boa custa caro”, ou mesmo “comprador só pensa em saving”. Há cerca de 10 anos trabalhando na área de compras, escutei repetidas vezes coisas assim e entendo que avaliando grosso modo, retratam duras realidades existentes, mas eu discordo das visões sem a lupa necessária para determinados aspectos. Vou explicar meu ponto de vista: se formos esmiuçar estas afirmações, para a primeira que remete a custo x qualidade, podemos considerar que a qualidade é o fator-chave para a variação entre os custos? Lembrando que um determinado item com o custo mais acessível pode, sim, ter qualidade, mas dentro de suas especificações. Então seria simplesmente “melhor qualidade” ou “melhor contratação”?

A segunda afirmação de que o comprador só pensa em saving, parece obvia, mas a redução de custos que realmente importa é a que traz a economia sustentável esperada, em termos de qualidade na negociação. Faz sentido ter saving em toda a negociação (os famosos 10%), repetidamente sem alavancas estratégicas? Quando isso acontece, o fornecedor doutrinado a este tipo de comportamento, pode passar a usar abordagens que costumo intitular como “ratoeiras de desconto”, para atrair o comprador a fechar a negociação. Então seria simplesmente “saving” banalizando o jargão ou, novamente, “melhor contratação?”.

Um exemplo rudimentar e hipotético que pode ilustrar o meu ponto de vista é o de uma contratação simples de aquisição de lâmpadas todos os meses em uma empresa. Se no momento da aquisição, foi considerado o produto com o custo mais baixo, a consequência disso em um ambiente em que a necessidade do tempo de iluminação seja superior à sua capacidade, são lâmpadas queimadas em um curto período. Consequentemente, repetidas trocas e aumento na aquisição. Imagine se nas solicitações seguintes, o comprador permanecesse comprando e obtendo saving nestas recorrências. É uma ação legitima. Vamos acompanhar a sequência: Recebimento da demanda> validação das especificações técnicas> fechamento com o melhor custo> saving.

Ir além desta sequência é o comportamento de um comprador estratégico.

O que se espera deste tipo de profissional, é que analise sua categoria e faça provocações ao identificar cenários como exemplo mencionado, sentindo-se incomodado em comprar novamente o mesmo tipo de lâmpada, sem antes sinalizar aos envolvidos que a contratação necessita de uma abordagem mais estruturada, que reduza o volume de pedidos e atenda ao escopo existente.

Então por si só, não, coisa boa não custa caro. O que custa caro é contratar mal, ou mesmo realizar aquisições que não atendam em sua integralidade.

E novamente não, comprador não pensa apenas em saving a qualquer custo. Comprador pensa em saving sustentável, escalável, concreto.

Se você que está lendo é comprador, está exercendo o modelo estratégico? Sendo você um demandante do negócio, está sendo atendido por um comprador com visão estratégica?

É desafiador ser um bom comprador e eu sei disso. Você que está lendo também sabe. Mas eu te convido a refletir no quanto este papel passa a ser valorizado se conseguimos reverter o modelo de comprador “gargalo” para o de facilitador no processo. E isso pode ser feito por qualquer lado da moeda. Vale a pena adotar o exercício de escuta ativa, interessada, usá-la como aliada para captar dores e necessidades de cada lado. E por fim, porém não menos importante, negociar. Sim, negociar, prazos, expectativas, abordagens… através de um canal de comunicação claro e objetivo. “O que é esperado? O que pode ser feito?”

Negociar faz parte da nossa rotina. Negociamos a todo momento para alcançar os objetivos esperados. Então por que não negociar um melhor meio de conduzir esta relação?

Te desejo bons negócios, trocas agregadoras e boas conexões!

Conteúdo desenvolvido por:

Patrícia Mello

Coordenadora de Planejamento, Compras e Governança em Tecnologia

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